Segunda Parte do Ensaio Aberto - Hotel Lautréamont - Os bruscos Buracos do Silêncio, em 2009. Lá na sede da Cia. Corpos Nômades, Espaço Cênico O LUGAR. Essa foi a primeira temporada deste espetáculo. Nesse ensaio aberto coreodramaturgrafico com uma câmera única, é possível verificar a integração das camadas que compõe, o que conceitualmente, Andreazzi intitula de coreodramaturgrafia, onde os movimentos dos atores/bailarinos fundem-se aos objetos cênicos, às projeções, à iluminação, ao espaço cênico, ao figurino, ao contato de um corpo com outro... cada elemento impulsiona com potencia a corporeidade e a vocalidade cênica, que são trabalhadas intensamente nas aulas e preparação corporal desenvolvidas por Andreazzi, disso desponta a coreografia e a dramaturgia da obra, esses elementos se completam na totalidade de sua potencia.
Coreodramaturgrafia: João Andreazzi
Elenco: Aldiane Della Costa, João Pirahy(in memoriam), Mariana Mantovani, Ricardo Silva, Tiago Teles e João Andreazzi.
Iluminação Décio Filho
Assessoria poética e Tradução: Claudio Willer (in memoriam).
Realização Fomento à Dança de SP.
João Andreazzi e a Cia. Corpos Nômades se inspiraram na obra de Isidore Ducasse, que adotou o pseudônimo de Conde de Lautréamont, para escrever “Os Cantos de Maldoror” (escrito entre 1868 e 1869). Nascido no Uruguai, o autor morreu misteriosamente em 1870, desconhecido, aos 24 anos, em Paris.
A corporeidade e a vocalidade da Cia. Corpos Nômades prestam-se para alargar o conceito de coreodramaturgrafia; a coreografia e a dramaturgia utilizam-se dos corpos dos intérpretes e dos objetos cênicos para orquestrarem e ressoarem toda a poética lautreamontiana. A criação do espetáculo foi instigada e alimentada pelo tradutor das obras do Conde de Lautréamont, o poeta e ensaísta Claudio Willer, um encontro de inteligências malditas abençoando todo o processo investigativo. Esse procedimento, como foi o caso da parceria com a dramaturga Marici Salomão para a criação do espetáculo “O Barulho Indiscreto da Chuva”, dá continuidade à investigação cênica, avançando na interação do corpo com o espaço total – com o que fica abaixo da pele e com o que se estende além dela.
Em cena, dirigidos por João Andreazzi, seis intérpretes divididos em solos, duos, trios, e quartetos unem elementos da dança contemporânea com outras artes, como a música eletrônica, teatro e vídeo-arte, intensificando e ampliando as possibilidades do corpo na cena. Complementa o trabalho a parceria com o tradutor da obra Claudio Willer, possibilitando um maior entendimento e desenvolvimento da dramaturgia no corpo, do corpo e para o corpo.
No lugar de uma impossível transposição literal das narrativas de Lautréamont, Hotel Lautréamont – Os Bruscos Buracos do Silêncio é uma montagem de fragmentos, detalhes sugestivos, impressões provocadas por passagens do texto por sua gama de sugestões visuais e sonoras e, especialmente, corporais.
A obra pode ser lida como apresentação do mundo onde tudo pode ser outra coisa: uma epopéia da metamorfose, especialmente da transformação dos corpos. Daí seu bestiário, que tanto impressionou aos surrealistas: o homem-peixe, o piolho gigante, os adolescentes-tarântulas, dragões, a bruxa transformada em bola de esterco, o escaravelho gigante, o homem com cabeça de pelicano, o arcanjo-caranguejo, o Deus-rinoceronte. Essas transformações simbolizam a liberdade absoluta, através da capacidade de ultrapassar as barreiras do corpo físico. Por isso, é mutante também o protagonista, o próprio Maldoror, ora jovem, ora de cabelos brancos, transformado em águia para combater a esperança, polvo para lutar com Deus, porco em seu sonho da felicidade perfeita, coisa informe, misturada à natureza, objeto de identidade indefinida.
Os integrantes da Cia. Corpos Nômades vão se metamorfoseando diante do público, criando, por sua vez, novos corpos, ou os mesmos corpos, mas sempre multiplicando suas possibilidades expressivas.
Hotel Lautréamont – Os Bruscos Buracos do Silêncio é uma criação que se processa através de ressonâncias, de sensibilidade para sensibilidade, passando dos trechos e conteúdos da obra de Lautréamont – especialmente a experiência de sentir-se um estranho no mundo, um hóspede neste nosso insólito “hotel” terreno – para os espaços cênicos, e destes para o espectador, assim convidando-o à recriação, à cumplicidade e participação. É um convite ao público, para que este mobilize sua imaginação, e se torne co-autor dessa obra em processo, em permanente movimento – simbolizado pela imagem da ratoeira perpétua – que o autor de Os Cantos de Maldoror pôs em marcha. “Claudio Willer”
![](https://i.ytimg.com/vi/98NTmWTi0Yg/maxresdefault.jpg)