Domingos José Gonçalves de Magalhães, V. de Araguaia (1811-1882)
Nasceu no Rio de Janeiro. Formado em medicina. Aos 21 anos publicou uma coleção de poesias e no ano seguinte partiu para a Europa. De volta ao Brasil, exerceu vários cargos e funções políticas, abraçando finalmente a carreira diplomática. Representou o Brasil, na qualidade de ministro e de enviado extraordinário, em várias nações européias e americanas, falecendo em Roma. Deixou: Poesias: Suspiros poéticos: A Confederação dos Tamoios; Urânia; Cânticos fúnebres; a tragédia Antonio José, etc.
A Confederação dos Tamoios
Imagem ao fundo: Firmino Monteiro - Paisagem (1885)
Como da pira extinta a labareda,
Ainda o rescaldo crepitante fica,
Assim do ardente moço a mente acesa
Na desusada luta que a excitara,
Ainda alerta e escaldada se revolve!
De um lado e de outro balanceia o corpo,
Como após da tormenta o mar banzeiro;
Alma e corpo repouso achar não podem.
Debalde os olhos cerra; a igreja, as casas,
A vila, tudo ante ele se apresenta.
Das preces a harmonia inda murmura
Como um eco longinquo em seus ouvidos.
Os discursos do tio mutilados,
Malgrado seu, assaltam-lhe a memória.
No espontâneo pensar lançada a mente,
Redobrando de força, qual redobra
A rapidez do corpo gravitante,
Vai discorrendo, e achando em seu arcanos
Novas respostas às razões ouvidas.
Mas a noite declina, e branda aragem
Começa a refrescar. Do céu os lumes
Perdem a nitidez desfalecendo.
Assim já frouxo o pensamento do índio,
Entre a vigilia e o sono vagueando,
Pouco a pouco se olvida, e dorme, sonha,
Como imóvel na casa entorpecida,
Clausurada a crisálida recobra
Outra vida em silêncio, e desenvolve
Essas ligeiras asas com que um dia
Esvoaçará nos ares perfumados,
Onde enquanto reptil não se elevara;
Assim a alma, no sono concentrada,
Nesse mistério que chamamos sonho,
Preludiando a vista do futuro,
A póstuma visão preliba às vezes!
Faculdade divina, inexplicável
A quem só da materia as leis conhece.
Ele sonha... Alto moço se lhe antolha
De belo e santo aspecto, parecido
Co'uma imagem que vira atada a um tronco,
E de setas o corpo traspassado,
Num altar desse templo, onde estivera,
E que tanto na mente lhe ficara.
"Vem!" lhe diz ele e ambos vão pelos ares.
Mais rápidos que o raio luminoso
Vibrado pelo sol no veloz giro,
E vão pousar no alcantilado monte,
Que curvado domina a Guanabara.
Cerrado nevoeiro se estendia
Sobre a vasta extensão de espaço em torno,
Cobertando o verdor da imensa várzea;
E o topo da montanha sobranceiro
Parecia um penedo no Oceano.
Mas o velário de cinzenta névoa
Pouco a pouco, subindo adelgaçou-se,
E rarefeito enfim, em brancas nuvens,
Foi flutuando pelo azul celeste.
Que grandeza! Que imensa majestade!
Que espantoso prodigio se levanta!
Que quadro sem igual em todo o mundo,
Onde o sublime e o belo em harmonia
O pensamento e a vista atrai, enleva
E faz que o coração extasiado
Se dilate, se expanda, e bata, e impila
O sangue em borbotões pelas artérias!
Os olhos encantados se exorbitam,
Como as vibradas cordas de uma lira,
De almo prazer os nervos estremecem;
E o espírito pairando no infinito,
Do belo nos arcanos engolfado,
Parece alar-se das prisões do corpo.
Niterói! Niterói! como és formosa!
Eu me glorio de dever-te o braço!
Montanhas, várzeas, lagos, mares, ilhas,
Prolífica Natura, céu ridente,
Léguas e léguas de prodigios tantos,
Num todo tão harmônico e sublime,
Onde olhos o verão longe deste Éden?
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