Aristóteles produz seus tratados filosóficos em diálogo e diferença com aquilo que seu mestre, Platão, havia desenvolvido em sua vida e obra. Essa posição ambivalente deve ser sempre levada em conta por quem queira compreender as propostas aristotélicas, na medida em que se inserem numa relação dialógica e diferencial complexa: a fim de que suas considerações sejam analisadas de maneira fecunda pelo intérprete, é preciso não apenas conhecer bem as obras do Estagirita, como também ter uma consciência aguda desse aspecto relacional.
As motivações para que Aristóteles propusesse seu modelo poético podem ser compreendidas a partir de seu interesse em garantir o emprego de um novo gênero de discurso pela filosofia, qual seja, o tratado filosófico, em detrimento do gênero mimético que vinha sendo praticado por Platão e pelos membros da Academia, com o diálogo socrático. Tratando em sua Poética daquilo que se pode esperar da arte dedicada à realização de obras miméticas — cujo ápice Aristóteles faz questão de afirmar que seja a tragédia (em sua forma complexa) e não o diálogo socrático ou qualquer outro tipo de composição mimética —, o filósofo defende que os maiores benefícios intelectuais propiciados por uma obra mimética desse tipo estariam ligados à kátharsis da compaixão e do temor suscitados por ela. Isso está longe de ser uma defesa do uso filosófico das composições miméticas, mas certamente representa um avanço com relação ao tratamento anteriormente proposto por Platão, na medida em que não lhe impõe critérios de verdade e moralidade externos ao campo da atividade poética (ainda que também lhe faça certas exigências, como a de unidade e a de inteligibilidade). Desde que o enredo [mŷthos] seja dotado de unidade de ação, dispondo certos caracteres [ḗthē] que agem de modo a sofrer certas mudanças segundo a verossimilhança ou a necessidade, o que acontece de acordo com o pensamento [diánoia] (quando dizem o que é pertinente e adequado), valendo-se de uma determinada elocução [léxis], a tragédia terá seu efeito básico garantido, para isso não sendo necessário sequer recorrer aos ornamentos musicais e corais [melopoiía] ou aos efeitos visuais do espetáculo cênico [ópsis] (Poet. 6.1450a15-1450b19). Que a tragédia de Sófocles, em especial seu Édipo Tirano, apresente as características básicas da teorização de Aristóteles é indicativo não apenas de uma preferência artística do Estagirita, mas também do prestígio que a obra do tragediógrafo ateniense continuava a ter, mesmo muitas décadas após sua morte.
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