Caso: REsp 1.890.981-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/05/2022 (Tema 1087), Informativo 738.
1. Problema jurídico: consiste em estabelecer se a majorante do repouso noturno incide na hipótese de furto qualificado.
2. Contexto fático:
a) Delito de furto no período noturno;
b) Crime praticado mediante escalada;
3. Resumo do processo:
a) Na origem, o MP-SP ajuizou ação penal em razão do crime furto;
b) O juízo de 1º grau julgou o pedido procedente, para condenar o réu pelo crime de furto qualificado, nos termos do inciso II do §4º do artigo 155 do Código Penal na forma tentada (art. 14, II, CP);
- Na terceira fase da dosimetria da pena, o juízo sentenciante aplicou a majorante do repouso noturno, prevista no §1º do artigo 155 do Código Penal;
c) Inconformado, o réu apelou;
d) O TJSP deu parcial provimento à apelação, para reduzir a pena a 1 ano e 2 meses de reclusão e a 5 dias-multa no valor mínimo unitário, bem como para alterar o regime de execução da pena para o semiaberto;
- Para o Tribunal paulista, não incide, no furto qualificado, a majorante do repouso noturno;
e) Irresignado, o MP manejou o recurso especial;
4. Tese do recorrente:
a) O recorrente alega violação do §1º do artigo 155 do Código Penal;
- Vejamos o teor do referido dispositivo;
b) Sustenta, em síntese, que a causa especial de aumento do repouso noturno é aplicável ao furto qualificado;
5. Julgamento do recurso:
a) O recurso foi qualificado como representativo de controvérsia e submetido ao regime dos recursos repetitivos;
b) A controvérsia “diz respeito à possibilidade de a causa de aumento do § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) incidir tanto no crime de furto simples (caput) quanto na sua forma qualificada (§ 4°)”;
c) Conforme o relator, verificam-se, na doutrina, posicionamentos divergentes acerca da controvérsia;
- Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Fragoso, Prado, Greco e Gonçalves, com base no critério topográfico, são contrários à incidência da majorante do repouso noturno na dosimetria da pena relativa ao furto qualificado;
- Por outro lado, Guilherme de Souza Nucci entende que a aplicação da majorante do repouso noturno é compatível com o furto qualificado. Por sua vez, Paulo César Busato aduz que a lesividade decorrente do furto qualificado praticado durante o repouso noturno é maior do que a do furto simples na mesma circunstância;
b) Ademais, o relator recorda que, na visão do STF, “inexistindo vedação legal e contradição lógica, nada obsta a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e as qualificadoras do furto (CP, art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação fática”, [conforme decidido, por exemplo, no 130.952/MG (Rel. Min. Dias Toffoli); ]
c) No âmbito do STJ, lembra o relator, há decisões divergentes sobre o tema;
- No período de 2000 a 2010, prevalecera o entendimento de que a referida causa de aumento era inaplicável ao furto qualificado;
- Desde 2014, contudo, passou a predominar interpretação diversa, na mesma linha do STF;
d) Ao enfrentar a tese jurídica, o relator conclui que a causa de aumento do repouso noturno não incide no furto qualificado;
- Apresente, em síntese, três fundamentos: i) critério topográfico; ii) proporcionalidade; iii) taxatividade;
e) Conforme o relator, “Se a qualificação do delito é apresentada em parágrafo posterior ao que trata da majorante, é porque o legislador afastou a incidência desta em relação aos crimes qualificados previstos no § 4º do art. 155 do CP”;
f) Além disso, ainda conforme o relator, a exasperação “da pena derivada da incidência da majorante do furto noturno nas hipóteses do furto qualificado resultaria em um desproporcional quantitativo”;
h) O relator, então, fixa esta tese: “A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§4º)”
i) O recurso especial foi provido apenas em parte, para que “refeita a sentença condenatória, seja considerada, na primeira fase do procedimento dosimétrico, a circunstância relativa ao cometimento do furto qualificado durante o repouso noturno”;
j) Cuida-se de decisão unânime da Terceira Seção;
6. Comentário final:
a) Parece-me correta a decisão do STJ;
b) Com base nos elementos sistemático e teleológico da interpretação jurídica, a majorante do repouso noturno não se aplica na hipótese de furto qualificado;
c) Considero que, na mesma linha de Heleno Cláudio Fragoso e Luiz Regis Prado, o repouso noturno poderá ser considerado na primeira fase da dosimetria da pena, nos termos do artigo 59 do Código Penal.
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